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Capela do Anjo S. Gabriel |
O Anjo Gabriel convocado para a ultimação do acordo, abençoou o grupo e prometeu-lhe que, lá do alto, com ou sem morada própria, zelaria, para que tudo corresse bem e que não mais teriam de se incomodar. Um dia mais tarde, isto é forma de dizer, mais hoje que naquela altura, pois hoje se não perdoa um segundo de atraso ou avanço, mais de atraso que de avanço, e naquele tempo, o dizer um dia mais tarde, podia muito bem ser um século, ou vários, um dia mais tarde, dizia o Anjo, ainda os vossos descendentes irão construir a minha casa, aqui neste sítio. Ficou prometido, sem data marcada, mas que o Anjo não perdoa.
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Capela do Anjo S. Gabriel |
E não se comprometeram logo, o que o Anjo compreendeu, já que a prioridade era o Castelo, não só porque queriam a promessa feita aos calabrenses, também sem data, mas porque precisavam de descansar e planear a construção. O Anjo ajudaria.
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Capela do Anjo S. Gabriel vista do Castelo de Castelo Melhor |
Se os calabrenses ou outros os foram ali importunar, não consta; o castelo, ou melhor dizendo, a muralha à volta do cume da colina, lá está, com vários metros de altura, desde o lado nascente, mais alto na parte norte e poente, e com dois ou três metros do lado sul; digo lados, para facilitar a compreensão, pois não é uma construção em círculo perfeito, tendo sido mais usada a economia de meios, conceito já nessa época praticado, do que a preocupação geométrica.
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Muralha do Castelo de Castelo Melhor |
Dado o espaço existente entre a face interior da muralha e a base do centro rochoso ser tão pequena, tudo leva a crer que seriam poucas e de reduzidas dimensões as habitações intramuralha; e a fortificação só serviria mesmo para refúgio, por tempo indeterminado. Mesmo a existência de um poço, este sim, quase circular, que devia servir para represar as águas das chuvas, já que nascente, naquele ponto, seria difícil existir; deve ter sido construído por descendentes dos originais construtores.
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Poço existente no interior do Castelo |
As habitações mais próximas e provavelmente as mais antigas, ficam a cerca de cem metros da muralha, na encosta norte e nordeste, designada por abixeiro, designação que sempre interpretei, como sendo o avesso de soalheira; ou então, Abixeiro, devido à forma como as construções se foram agrupando, formando bicha, em direcção ao castelo ou dele divergindo.
Embora a rua existente tenha esse nome, com placa toponímica – modernices – a verdade é que não há referências nos documentos consultados. E como tudo o que está embalado em celofane de lenda, assim deve continuar, a História tem muito tempo e pode esperar, não fiz qualquer esforço documental em relação a datas e vocábulos, porque não tenho formação ou vocação, e nem tempo, para calar o que de histórico existe, até porque a História, não raras vezes, com suas obsessões de rigor e finitude, apaga a parte encantatória que espaços, tempos e seres mantiveram anteriormente, mesmo antes da invenção da História, condenando sumariamente, algumas vezes, os crimes que as lendas e seus protagonistas não cometeram e raramente aceitam ter havido erro histórico. E, assim, a rudeza da ciência histórica não repõe nem repara a beleza e a ternura das lendas que vai desfazendo.
“Como nós envelhecemos”, disseram em coro, ao mesmo tempo que eram abraçados por todos; “mas temos de acabar isto”, dizia o do castelo em construção. “E nós vamos ajudar-vos, se nos aceitarem e não voltaremos mais para o calabre”, dizia o mais velho dos três guerreiros. “Não senhor, não vão fazer nada disso; os que vieram durante a noite, de livre vontade, cá ficaram, estão bem, trabalham no castelo, e estão a fazer a sua casa; vós, como viestes em nome do meu avô, vão voltar e dizer-lhe que estamos bem e quando um dia quiserem vir, podem mudar-se para cá, até porque já não serão muitos lá no calabre.”. “Sim, somos já poucos e quase só velhos, mal conseguimos tirar da terra o bastante para nos mantermos; o que nos vai valendo é o rebanho das cabras”. “Então vão lá e venham todos”, disse-lhes o chefe do novo castelo.
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Castelo de Castelo Melhor |
“Nós vamos e voltaremos se o casmurro do teu avô nos não convencer a ficar; está velho e sobretudo mais intransigente e injusto, mas vamos tentar que ele venha”.
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Monte Calábria (à direita na foto) |
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Vista geral sobre Castelo Melhor |
Ainda não sabiam que havia no céu uma santa que tinha a seu cargo acudir aos crentes qua a convocassem quando havia trovoada. Como não crentes da religião a que a santa pertencia o mais natural seria, mesmo que soubessem por ouvirem falar, não a invocassem por preconceito religioso, por sinal bem frequente nos tempos mais actuais. E tal desconhecimento ou recusa em pedir ajuda terá sido a sua salvação. Afastaram-se cada vez mais do castelo e já distanciados, umas centenas de metros, viram que um relâmpago como nunca tinham visto antes iluminou o céu por milésimos de segundo (não dava para confirmar pelo relógio mesmo que relógio houvesse, já que tal preciosidade só muitos séculos mais tarde veio a ser útil a uns tantos, a enriquecer alguns e nalguns casos a enfeitar os bolsos e os pulsos de muitos), mas aquela tribo nem dos de sol tinha, embora por ele e outras estrelas se guiassem e orientassem.
Fim
Texto: Reis Caçote