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29 novembro 2012

A LENDA DA CAPELA DO ANJO - Parte II

(Continuação da parte I)

Ao final do dia – o segundo – lá desceram novamente à povoação para cearem e descansarem; alguns dormiram mal, tiveram pesadelos, que um Anjo lhes estava a deitar abaixo o que tinham feito e levado as pedras para junto das outras do dia anterior. E quando de madrugada começaram a subir o monte, iam contando os sonhos aqueles que os tinham tido e os outros, não tendo sonhado ou dos sonhos se não lembrando, mas todos iam com algum receio de que algo pudesse ter sucedido; e se chegarmos lá e tudo tiver sido deitado abaixo o que vamos fazer? Não pensem nisso, dizia um mas a confiança era nenhuma.

De facto ao chegarem viram que todo do dia anterior estava destruído e amontoado lá junto do outro do primeiro dia! Ora aí está o trabalho de dois dias desfeito em duas noites; o material diminuía no local – no estaleiro diríamos hoje – e ia aumentando na mesma proporção lá junto à ponta do rochedo, no tal local onde o ancião garantia ser ali que o Anjo queria a sua capela.

Capela do Anjo
Foto: Dinis Ângelo

Resolveram não mexer em mais nada e irem falar com o pároco e lá foram, trazendo de Almendra a sugestão debitada pelo representante de Deus e dos Anjos na Terra, mais crente na maldade humana do que na palavra divina e que era a de retomarem o trabalho e no final do dia um dos pedreiros ficar de guarda, escondido, para de uma vez por todas o ou os responsáveis serem apanhados e em vez de desfazerem fossem eles a fazer tudo o que tinham estragado.

E assim fizeram. Desceram todos no final do dia, menos o destacado para montar a guarda, por sinal o único que era solteiro, não ficando assim mulher e filhos em sobressalto toda a noite ficaria a Mãe pois que Mãe tinha, mas esse não era pormenor que fosse tido em conta.

Comeu a ceia, bebeu o que era hábito e de varapau na mão e casacão abotoado que a noite ameaçava ser bem fria, sentou-se junto do que antes tinham acabado de alinhar e aprumar da parede da capela futura. Só que o pedreiro não é segurança e por isso não tem hábitos de estar acordado enquanto outros dormem e nem sequer tinha ido à tropa e não sabia o que era estar de sentinela, ainda não era meia-noite quando a moleza lhe atacou com força e pregou-se mesmo a dormir encostado à rocha escolhida para se apoiar.

Local da Capela do Anjo
Foto: Adriano Ferreira

Sonhou que estava na cama e que a rapariga de quem gostava tinha ido ter com ele, lhe fez sinal para não espantar e ali fizeram a primeira vez o que, pelo menos ele andava a magicar há muito. Foi uma noite inesquecível, não só pelo sonho, mas pela realização de outro que há muito lhe tirava o sono. Mas a noite ficaria inesquecível também por outro motivo, este bem menos sonho e bem pouco agradável.

Antes de a manhã começar a clarear pareceu-lhe ouvir um estranho ruído e, sobressaltado, acordou; não com a namorada a seu lado como sonhara mas sem toda a obra do dia anterior a que ele se comprometera guardar, estando todas as pedras juntas às dos primeiros dois dias lá mais adiante junto à ponta do penhasco.

Capela do Anjo
Foto: António José Ribeiro

O sonho transformou-se em real pesadelo pois não sabia o que iria dizer aos camaradas quando chegassem e como cabeça de pedreiro não foi treinada para grandes eloquências explicativas, isso é mais para outras profissões e muito menos para descaradas mentiras, essas também de outras profissões são apanágio, mas que estava preocupado lá isso estava.

Como é que não acordei com o barulho?! Tirar calhaus, alguns bem grandes, de mais de um metro de parede na altura com meio metro de espessura e com seis metros de um dos lados e cinco do outro e levá-los para cinquenta metros de distância, sempre deviam fazer tal ruído que daria para acordar, mesmo que o sono fosse profundo e o sonho ainda mais e não ter sido interrompido. Antes estivesse ainda a sonhá-lo do que estar aqui agora, com a cabeça a latejar e sem saber o que hei-de dar como desculpa.

Que me deixei dormir podia ser aceite por eles, mas todos sabem que eu tenho um sono leve e por isso ou também por isso fui escolhido, logo vai dar confusão eu não ter ouvido nada.

Também não posso dizer que o tinto me subiu à cabeça, sabendo eles que só fiquei com a quantidade habitual para a refeição e que nunca me fez mal!

Fonte: http://cienciadiaria.com.br

Assaltado também não servia, pois se o fosse não deixaria de me defender, não sou nenhum cobarde e sempre ficaria com marcas daqueles que fizeram a desobra, mas marcas não tenho; só as boas, do sonho!

Atirar-me pelo rochedo abaixo para ficar com marcas visíveis também me não parecia boa ideia, pois um trambolhão, mesmo que bem calculado, sempre podia dar para o torto e ir desta para melhor! Não, isso nem pensar!

Vou arriscar e dizer-lhes que me apareceu aqui o Anjo, exactamente como o da imagem que está na igreja à espera que acabemos a capela para se mudar para cá – de armas e bagagens não será uma vez que os anjos não usam armas nem costumam andar com bagagens - acompanhado por outros mais novos, todos com asas e me disseram que foram eles que retiraram as pedras do local onde nós as tínhamos colocado e as levaram para o rochedo e que não valia a pena insistirmos na construção neste sitio e muito menos montar guarda, pois só quando lá fizerem a capela e não aqui como teimam em fazer é que nós deixaremos de vos incomodar. Eles que acreditem se quiserem e se não quiserem que arranjem outro para ficar de guarda! Mesmo que tivesse a certeza de voltar a ter o sonho que tive eu não voltaria a ficar nem mais uma noite.

E assim foi quando eles chegaram.

Foto: António José Ribeiro

Uns gozaram com ele, outros diziam que ele tinha ido para casa dormir e bastou levantar-se um pouco mais cedo para chegar antes deles e pelo caminho inventar aquela fraca desculpa para o caso de se ter repetido a cena das duas primeiras noites. Danados estavam todos!

O mais calado, depois de ouvir tudo o que foi dito, sugeriu que o melhor a fazer seria irem novamente falar com o senhor prior, contar-lhe o sucedido e perguntar-lhe se ele não sabia do que se tinha passado ou assim constava muitos anos antes, talvez séculos, quando os que tinham deixado o Castelo Calabre e queriam construir o seu próprio castelo, ali na ponta do rochedo e o Anjo não deixou!

«Alguma coisa teremos de fazer; vamos ter com o senhor prior.»

A verdade é que ele não queria voltar com a palavra atrás quanto ao local da construção da capela, tanto mais que sabia que a construção na ponta do penedo iria ficar muito mais cara, mas como quem pagava eram os paroquianos disse que conhecia a lenda, que até acreditava nela, pois aparições são o que não falta por aí, só que umas são mais aparições que outras, pensou só para si, decidindo que ia à Guarda falar com o senhor bispo e depois daria a resposta. Até lá é melhor não mexer em mais nada, ou seja, suspende-se a construção.

Dias mais tarde deu o dito por não dito e mandou alterar o projecto inicial e que a capela ficaria no sítio onde as pedras do dia foram depositadas durante a noite. Que não acreditava que o Anjo fizesse aquilo mas que também não custava experimentar, mesmo que no fim a obra ficasse mais cara.

Foto: António José Ribeiro

E em boa hora o fez. A capela está construída há tantos anos, outros padres vieram, muitas romarias foram feitas, o Anjo lá fica na sua casa e só desce ao povoado para tomar parte na procissão da Senhora do Rosário que era realizada no dia vinte e dois de Setembro de cada ano ou então para ser levado serra acima para a sua romaria, lá no alto, em cada segunda-feira de Pascoela.

No local do litígio existe ainda um pedaço da falhada construção primitiva e cuja pedra era grande demais para a força de tão frágeis Anjos.

A este ponto, agora encimado por uma pequena cruz, os contemporâneos passaram a designá-lo por Miradouro do Anjo.

Texto: Reis Caçote

Agradecimentos ao autor do texto e aos autores das fotos.

1 comentários:

Uma riqueza a preservar, as nossas Lendas!!!

Grande abraço meus amigos.

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