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13 junho 2012

A LENDA DOS CASTELOS - Parte II

(...Continuação da parte I

Capela do Anjo S. Gabriel

O Anjo Gabriel convocado para a ultimação do acordo, abençoou o grupo e prometeu-lhe que, lá do alto, com ou sem morada própria, zelaria, para que tudo corresse bem e que não mais teriam de se incomodar. Um dia mais tarde, isto é forma de dizer, mais hoje que naquela altura, pois hoje se não perdoa um segundo de atraso ou avanço, mais de atraso que de avanço, e naquele tempo, o dizer um dia mais tarde, podia muito bem ser um século, ou vários, um dia mais tarde, dizia o Anjo, ainda os vossos descendentes irão construir a minha casa, aqui neste sítio. Ficou prometido, sem data marcada, mas que o Anjo não perdoa. 


Capela do Anjo S. Gabriel


E não se comprometeram logo, o que o Anjo compreendeu, já que a prioridade era o Castelo, não só porque queriam a promessa feita aos calabrenses, também sem data, mas porque precisavam de descansar e planear a construção. O Anjo ajudaria. 

E, no dia seguinte, não consta que, com a ajuda do Anjo, embora os anjos façam as coisas sem dar nas vistas, começaram a empilhar calhaus à volta da colina, calhaus estes surripiados, não sem dificuldade, do maciço de xisto que era toda colina; e assim andaram durante longos anos, partindo o rochedo e alinhando os calhaus no paredão, juntando-lhe terra amassada misturada com palha, que era o cimento da época.




Capela do Anjo S. Gabriel vista do Castelo de Castelo Melhor


Se os calabrenses ou outros os foram ali importunar, não consta; o castelo, ou melhor dizendo, a muralha à volta do cume da colina, lá está, com vários metros de altura, desde o lado nascente, mais alto na parte norte e poente, e com dois ou três metros do lado sul; digo lados, para facilitar a compreensão, pois não é uma construção em círculo perfeito, tendo sido mais usada a economia de meios, conceito já nessa época praticado, do que a preocupação geométrica.


Muralha do Castelo de Castelo Melhor


Dado o espaço existente entre a face interior da muralha e a base do centro rochoso ser tão pequena, tudo leva a crer que seriam poucas e de reduzidas dimensões as habitações intramuralha; e a fortificação só serviria mesmo para refúgio, por tempo indeterminado. Mesmo a existência de um poço, este sim, quase circular, que devia servir para represar as águas das chuvas, já que nascente, naquele ponto, seria difícil existir; deve ter sido construído por descendentes dos originais construtores. 


Poço existente no interior do Castelo


As habitações mais próximas e provavelmente as mais antigas, ficam a cerca de cem metros da muralha, na encosta norte e nordeste, designada por abixeiro, designação que sempre interpretei, como sendo o avesso de soalheira; ou então, Abixeiro, devido à forma como as construções se foram agrupando, formando bicha, em direcção ao castelo ou dele divergindo.




Embora a rua existente tenha esse nome, com placa toponímica – modernices – a verdade é que não há referências nos documentos consultados. E como tudo o que está embalado em celofane de lenda, assim deve continuar, a História tem muito tempo e pode esperar, não fiz qualquer esforço documental em relação a datas e vocábulos, porque não tenho formação ou vocação, e nem tempo, para calar o que de histórico existe, até porque a História, não raras vezes, com suas obsessões de rigor e finitude, apaga a parte encantatória que espaços, tempos e seres mantiveram anteriormente, mesmo antes da invenção da História, condenando sumariamente, algumas vezes, os crimes que as lendas e seus protagonistas não cometeram e raramente aceitam ter havido erro histórico. E, assim, a rudeza da ciência histórica não repõe nem repara a beleza e a ternura das lendas que vai desfazendo.




Não foi este o caso e disso me encarreguei de salvaguardar.

O castelo foi crescendo devagar mas seguramente, a família foi aumentando naturalmente, quando o grupo era formado por homens e mulheres, e ainda pelos que, pela calada da noite e sem se despedirem, foram deixando o Calabre e se foram juntando aos de Castelo Melhor, que ainda o não seria tanto por estar em construção. 


O chefe tribal do Calabre, furioso com as fugas quase diárias, ordenou a três dos guerreiros da sua confiança, que fossem ver o que se passava lá para os lados dos dissidentes e tentassem convencer a voltar os que, de noite se tinham escapulido. Os emissários lá foram aos tropeções por ladeiras agrestes, onde só pedras e mato cresciam até que agora estes, lá do alto que veio a chamar-se de Santa Bárbara, viram as paredes já bem altas, do castelo em construção e logo comentaram, “este castelo é bem melhor do que o nosso”, razão tinham eles!

Com alguma precaução, pois eram o pessoal de confiança do chefe do calabre, foram descendo a encosta, até que foram interceptados, por uma moira que andava à caça com mais três adolescentes e lhes perguntaram quem eram, de onde vinham e ao que vinham. Lá se explicaram, beberam água fresquinha numa fonte que ali perto havia, e que veio, muitos anos depois, a chamar-se de Santa Maria; e todos os sete, falando a mesma língua – pois a emigração para França, só muitos séculos depois é que se daria – desceram até à parte mais ou menos plana do requeijão e depois foram subindo pelo abixeiro até há construção em curso (sem licença, como agora, sem responsável pela obra, como agora) onde encontraram uma grande azáfama e depois uma grande festa; foi então, que o mais velho dos três guerreiros viu o seu irmão, desavindo com o chefe do calabre, de braços abertos para o receber. 


“Como nós envelhecemos”, disseram em coro, ao mesmo tempo que eram abraçados por todos; “mas temos de acabar isto”, dizia o do castelo em construção. “E nós vamos ajudar-vos, se nos aceitarem e não voltaremos mais para o calabre”, dizia o mais velho dos três guerreiros. “Não senhor, não vão fazer nada disso; os que vieram durante a noite, de livre vontade, cá ficaram, estão bem, trabalham no castelo, e estão a fazer a sua casa; vós, como viestes em nome do meu avô, vão voltar e dizer-lhe que estamos bem e quando um dia quiserem vir, podem mudar-se para cá, até porque já não serão muitos lá no calabre.”. “Sim, somos já poucos e quase só velhos, mal conseguimos tirar da terra o bastante para nos mantermos; o que nos vai valendo é o rebanho das cabras”. “Então vão lá e venham todos”, disse-lhes o chefe do novo castelo. 


Castelo de Castelo Melhor


“Nós vamos e voltaremos se o casmurro do teu avô nos não convencer a ficar; está velho e sobretudo mais intransigente e injusto, mas vamos tentar que ele venha”.

Lá partiram, sem esperança de voltar e menos ainda de que o velho patriarca os acompanhasse.

Ainda a grande distância do Calabre começaram a ver uma grande mancha de fumo, cada vez mais denso e que lhes parecia ser lá para os lados do seu castelo. Aceleraram o passo ladeira acima até ao ponto mais elevado de onde se avistava o Calabre. Era já noite.

As chamas envolviam todo o castelo e temeram que os seus familiares mais próximos não tivessem escapado e a correr como podiam foram-se encontrando pelo caminho com pequenos grupos aterrorizados, só com as roupas que usavam vestidas, cansados e se água ou alimento.


Monte Calábria (à direita na foto)
«O que se passou, perguntaram os três ao mesmo tempo? O chefe acordou bem cedo e subiu ao ponto mais alto do castelo; como lhe disseram que vós não tivesseis regressado ainda, ficou de tal modo furioso que começou a amaldiçoar tudo e todos sobretudo a vós os três, chamando-vos traidores, bastardos e a ameaçar deitar o fogo a tudo. Reuniu o que restava da tribo, os mais novos já tinham começado a abandonar o castelo e sem atender às vozes que lhe aconselhavam calma dissolveu o conselho dos anciãos e chamou seis guerreiros para que formassem um conselho de guerra para vos julgar aos três como traidores e que fossem severamente punidos. À revelia? Sim, à revelia.»

O conselho assim nomeado concluiu que não cederia a pressões e que não julgaria à revelia fosse quem fosse antes de saber se traíram ou se ainda não tinham voltado por não terem conseguido; decidiram também que a partir desse momento nenhuma decisão seria tomada sem que o concelho dos anciãos do qual faziam parte fosse ouvido, devendo por isso ser convocado novo conselho.

Foi o fim. O velho chefe tribal, incapaz de perceber o que se passava para perceber sensatamente, preferiu chamar a si todos os poderes e, praguejando, dirigiu-se para o subterrâneo do castelo, sempre acompanhado do seu corpulento bode preto e ali se trancou.

Uma violenta trovoada estoirou por cima do castelo e era tal o brilho dos relâmpagos e o ruido dos trovões qua todos pensaram que era o fim do mundo a chegar e que o velho guerreiro e chefe tribal e as suas pragas estavam na origem de tamanha borrasca quando ainda há pouco o céu estava quase limpo.


Vista geral sobre Castelo Melhor


Ainda não sabiam que havia no céu uma santa que tinha a seu cargo acudir aos crentes qua a convocassem quando havia trovoada. Como não crentes da religião a que a santa pertencia o mais natural seria, mesmo que soubessem por ouvirem falar, não a invocassem por preconceito religioso, por sinal bem frequente nos tempos mais actuais. E tal desconhecimento ou recusa em pedir ajuda terá sido a sua salvação. Afastaram-se cada vez mais do castelo e já distanciados, umas centenas de metros, viram que um relâmpago como nunca tinham visto antes iluminou o céu por milésimos de segundo (não dava para confirmar pelo relógio mesmo que relógio houvesse, já que tal preciosidade só muitos séculos mais tarde veio a ser útil a uns tantos, a enriquecer alguns e nalguns casos a enfeitar os bolsos e os pulsos de muitos), mas aquela tribo nem dos de sol tinha, embora por ele e outras estrelas se guiassem e orientassem.

Dizia que o tal relâmpago nunca visto igual atingiu em cheio a parte do castelo onde se situavam os currais e a lenha, criando um fogaréu que depressa se elevou no ar e alastrou a toda a área castelar.

De longe viram que só as paredes, ou seja, a muralha ia resistindo e na noite ficava um “esqueleto” de castelo recortado no vermelhão do rescaldo.

Mas ainda conseguiram distinguir, bem no alto da torre mais alta, a imponente figura do bode que o reflexo do brasido nos seus olhos caprinos pareciam dois faróis a iluminar o caminho do que restava da tribo em fuga.

Ainda hoje, muitos séculos volvidos, se algum incauto ou mais afoito entra nas ruinas do que resta do Calabre, lá vai encontrar o velho bode de luzidio pêlo preto e olhos em chama. Os mais atrevidos que ousaram montar o velho bode tiveram encontro com Satanás e transformaram-se em fantasmas do velho chefe tribal que continua fechado nos subterrâneos do castelo para a eternidade da lenda!


Fim


Texto: Reis Caçote

1 comentários:

Na busca de imagens para melhorar a publicação das Lendas da minha aldeia, ficcionadas pelo autor Reis Caçote, meu avô materno e também, desde há anos, pseudónimo do que eu, José Cassiano Monteiro, fui fazendo, escrevendo, pintando, homenageando o seu nome, já que o não conheci, como não conheci o paterno!
É com alguma tristeza que registo a ausência de manifestação de alguem que tenha lido, se é que alguem leu, esta e outros escritos de outros seguidores da página da Associação Foz Coa Friends! À Foz Coa Friends e ao amigo Luis Branquinho Pinto, pela simpatia e o bom gosto que manifestou nas fotos escolhidas! Abraços para todos, amigos e conterrâneos!

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