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23 setembro 2012

A LENDA DA CAPELA DO ANJO - Parte I

Castelo Melhor

Passaram séculos sobre a chegada dos dissidentes do Castelo Calabre, construtores do Castelo Melhor e de facto os fundadores do povoado que veio a adoptar o singular nome do castelo.


E digo fundadores por que não consta que outros, nomeadamente os gravadores das rochas das margens do Côa há trinta mil anos ou mais, tenham deixado outra obra ou rasto para além dos rabiscos como prova da sua presença na região e que só por acidente chegaram até nós – as gravuras.

Gravura do sítio da Penascosa

Com o crescimento do povoado e a chegada de novas gentes as novas gerações e os migrantes que em todos os tempos os houve, por um ou outro motivo, chegaram também, naturalmente, outras formas de pensar a vida e as crenças ou, se quisermos as religiões; e de tal modo se foram impondo aos que lá estavam que estes acabaram, não sei se pacificamente, por abandonar as suas, se é que alguma religião professavam e adoptaram a dominante.

Além do natural crescimento o burgo foi ganhando importância social e religiosa; no primeiro caso foram-lhe atribuídos forais por diferentes monarcas e um deles ordenou mesmo a restauração do castelo, tudo levando a crer que ou houve escaramuças que o danificaram ou então, como ainda hoje sucede, deixa de ser assistida a obra e o tempo se encarrega de a deteriorar; no que se refere à importância religiosa foi decidido que era altura de ser construída uma igreja paroquial que não será a que ainda hoje existe, mas outra mais modesta, tudo levando a crer que já ocupara o espaço da que hoje serve de lugar de culto pois todas as ruas parecem ter a igreja como centro de convergência.



Pormenor da Igreja Paroquial de Castelo Melhor

Mais tarde e tendo em conta o que desde há séculos vinha passando de geração em geração, ou seja, a promessa ao anjo São Gabriel, feita pelos fundadores, de um dia lhe construírem uma morada lá no alto do monte que veio a tomar o seu nome – monte do Anjo; foi decidido que a capela iria ser construída cumprindo-se, finalmente, a promessa antiga.

Parece que por esquecimento ou por desconsideração dos termos exactos em que a promessa fora feita, na época da negociação, entre os vindos do Calabre e a embaixada do Céu, os encarregados da construção da orada, examinando o local, concluíram que a ponta do rochedo era o local menos indicado para que a construção se fizesse; terão invocado razões de ordem económica e de segurança, para o Anjo e para os futuros veneradores em festa; logo, decidiram que seria construída no cerro da encosta, mas aí uns cinquenta metros antes da ponta do rochedo.

O responsável religioso estava de acordo, assim como a maioria das pessoas da aldeia; porém um idoso havia que o não estava: que a exigência do Anjo era diferente no que se referia ao local; todos se riram nas barbas do ancião e alguns mais atrevidos e divertidos ainda lhe foram perguntando como é que estava tão seguro disso e que, mesmo sendo o mais velho, não constava que o fosse tanto a ponto de estar na reunião que decidiu, há séculos, do local exacto onde a capela devia ser feita! Façam como quiserem, respondeu o ancião, mas... qual mas retorquiram os empreiteiros.

Capela do Anjo

O representante da igreja, presente desde o início em carne e osso na reunião também achou que não devia haver qualquer razão para que não fosse adoptada a forma mais razoável e o local mais indicado para que a capela fosse construída era o sugerido pelos empreiteiros e com o apoio da população.
O ancião encolheu os ombros e foi “pregar”, bem calado, “para outra freguesia”, como costuma dizer-se.

Ninguém se apercebeu que o espírito do Anjo esteve sempre presente na discussão, mas como não tinha sido convocado preferiu manter-se de espírito aberto e a provar-lhes, a seu tempo, que tinha sido desastrada a decisão tomada.

A obra foi iniciada e tudo correu normalmente durante o tempo em que foi terraplanado o espaço para a construção; toda a gente estava já esquecida do que o ancião dissera e a ponta do rochedo lá estava intocada.

Quando a primeira parede começou a ser levantada tudo continuava a decorrer normalmente e no final da jornada de trabalho todos voltaram à aldeia para descansar; bem precisavam, pois no dia seguinte tinham que se levantar bem cedo para chegarem a horas lá ao alto da serra e continuarem o trabalho; e não era só o dia de trabalho que cansava, mas logo antes de começarem o dia terem de subir toda a encosta que o que apetecia mais, quando chegavam, era deitar-se e descansarem novamente; durante o período de alisamento do espaço e quando acabavam a jornada e desciam ao povoado não custava muito porque a descer todos os santos e anjos ajudam; subir e trabalhar é que era mais complicado.

Altar da Igreja Paroquial de Castelo Melhor

Vitral da Igreja Paroquial de Castelo Melhor

E logo pela manhã do segundo dia da construção propriamente dita lá subiram como puderam, mais lestos uns que outros, ou porque eram mais novos ou porque tinham descansado mais; notava-se que o cansaço era diferente, mas todos chegaram. E todos viram espantados, que toda a parte da parede no dia anterior construída tinha desaparecido e os materiais utilizados estavam amontoados lá adiante na ponta do rochedo!

E de imediato se instalou a confusão; quem poderia ter feito tal serviço quem não poderia ter feito, cada um levantando a sua suspeita e quase todas se inclinavam para o ancião que dias antes, durante a reunião, lembrara a promessa feita ao Anjo.

Mas um deles, mais prudente, levantou a voz para questionar tal hipótese, alegando que o velho seria incapaz de, sozinho, desfazer e transferir para cinquenta metros mais além todos os materiais que seis homens levaram o dia inteiro a edificar! Mas ninguém se atrevia a acusar o Anjo, embora um deles tenha pensado nisso, mas ficou calado.

Capela do Anjo

Não havia carro de mão e as pedras eram muitas, como é que isto poderia ter sido feito?! Levar as pedras de braçado também estava fora de questão, pois nem três ou quatro pessoas o conseguiam fazer numa só noite!
De qualquer modo é melhor irmos falar com o velho e se ele confessar damos-lhe nas ventas e obrigamo-lo a vir connosco e voltar a pôr tudo no seu lugar; e se teve companhia será melhor trazê-la também e assim ficamos a saber quem o ajudou a dar cabo do nosso trabalho.

O ancião negou, pensando até que eles estavam a brincar ou queriam era gastar mais tempo na obra e, assim, subirem o preço contratado. Ainda foi insultado, mas manteve-se na negativa, que nada teve a ver com tal assunto.

E lá voltaram ao alto da serra recomeçando o trabalho com outras pedras e assim fizeram mais uma jornada; mas danados com o que tinha sucedido e mais ainda por não terem conseguido saber quem tinha sido o autor ou autores da proeza e bem gostavam de o saber, talvez nunca mais se metesse noutra! Eles queriam era acabar a obra para receberem o contratado e não podiam ali ficar a vida toda!

(Continua...)

Texto: Reis Caçote

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