“A grande festa do mosto ia começar. E
peregrinos acorriam de longe, chamados pelos acenos das vides.”
Miguel Torga (Vindimas)
Nada melhor
que uma visita, nesta época, à região duriense para sentir e partilhar da azáfama,
mas também da “festa” das vindimas.
Painel de azulejos da
Estação do Pinhão
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Painel de azulejos da
Estação do Pinhão
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Miguel Torga
“pintou”, melhor do que ninguém, as vindimas em livro:
VINDIMAS
1ª edição:
1945
8ª edição:
2007
Prefácio à tradução inglesa
Querido leitor:
Vais ler um livro que eu hoje teria
escrito doutra maneira. Cingido à realidade humana do momento, romanceei um
Doiro atribulado, de classes, injustiças, suor e miséria. E esse Doiro,
felizmente, está em vias de mudar. Não tanto como o querem fazer acreditar
certas más consciências, num, enfim, em muitos aspectos, e sensivelmente
diferente do que descrevi. Desapareceram os patrões tirânicos, as cardenhas
degradantes, os salários de fome. As rogas descem da Montanha de camioneta, a
alimentação melhorou, o trabalho é menos duro. Também o rio já não tem cachões,
afogados em albufeiras de calmaria.
E, contudo, julgo sinceramente que
não cansarás ingloriamente os olhos na contemplação do painel que pintei.
Conhecer o passado ajuda às vezes a entender o presente. Só com o sofrimento e
o protesto de muitas gerações foi possível a relativa dignificação dos
assalariados de agora. E, quanto mais não fosse, esses sacrificados merecem a
homenagem de uma lembrança. Mas há mais. A recordação do seu martírio será uma
lição para senhores e servos. Os primeiros terão no espelho a imagem do que não
devem voltar a ser; os segundos, a do que não devem voltar a consentir. Já sem
falar na mutação social pretérita e actual. Se certas hierarquias teimam em
persistir, os próprios protagonistas fazem o possível por o disfarçar. Tão
fortemente sopraram os ventos da História. De maneira que, também nesse capítulo
é menor a distância que vai de pobres a ricos, e mais harmonioso o convívio
entre eles. O que não deixa de ser igualmente de exemplo e proveito.
Resta ainda o aspecto puramente literário e
artístico da obra. Mas, quanto a isso, já não tenho voz. Serás tu a dizer a
última palavra. Se valeu ou não a pena percorrer a via sacra das suas páginas.
Teu
Miguel Torga
Para
conhecer os singulares coloridos das “pinceladas” do talentoso Miguel Torga,
leia o livro.
Em S. Martinho de Anta - terra natal de Miguel Torga |
TERRA NATAL
(…)
Deixei-a num impulso aventureiro
E foi que como se eu próprio me
roubasse…
Nunca mais tive paz e fui capaz
De sonhar
Outro lar
Que me abrigasse (…)
Miguel Torga (Revista de Artes e Letras 1962)
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