Uma invenção com 30 mil anos?
Os nossos antepassados pré-históricos sabiam contar narrativas complexas utilizando pinturas e gravuras rupestres e representar o movimento dos animais. Terão sido os primeiros cineastas?
A arte rupestre desenvolveu-se há entre 32 mil e 15 mil anos atrás, em toda a Europa ocidental, desde o Cáucaso a Portugal. Foi sobretudo em cavernas, mas também em algumas zonas a descoberto, como no Vale do Côa.
Os cientistas que estudam estas manifestações artísticas continuam impressionados com a perfeição técnica dos pintores e o seu apurado sentido de observação em relação aos animais que desenhavam (cavalos, bisontes e bovídeos).
Muito recentemente, uma nova hipótese sobre a arte rupestre faz mais uma vez progredir a nossa visão sobre o assunto: os artistas da pré-história não só teriam inventado a pintura e a gravura há mais de 30 mil anos, como também saberiam representar o movimento e conheceriam a técnica da animação... Além disso, teriam mesmo inventado um antepassado do animatógrafo! Esta hipótese surpreendente acerca de uma origem pré-histórica do cinema foi avançada pelo cientista francês Marc Azéma, que faz parte da equipa que estuda a gruta de Chauvet, na região francesa de Ardèche, no Sul do país: “Ao longo da minha investigação das grutas pintadas, descobri que os artistas representavam imagens animadas e não fixas, e que contavam cenas complexas, com sequências sucessivas e um sentido de leitura, como na banda desenhada ou no cinema dos nossos dias.”
Documentários em pedra
Na continuação da sua pesquisa, analisando no computador as fotografias das pinturas e gravuras tiradas nas grutas, Marc Azéma descobriu a maneira como as imagens eram animadas e confirmou, pouco a pouco, a sua primeira intuição: “Descobri que 41 por cento dos animais representados na arte rupestre em França eram reproduzidos numa situação activa correspondente a um comportamento bem determinado, como a emboscada, a pré-cópula ou a submissão. Através dessas acções, os pintores produziram verdadeiros documentários sobre animais nas paredes da gruta, numa sucessão de painéis e com um sentido de leitura, como na banda desenhada.”
Outra importante descoberta realizada ao longo das prolongadas estadas na obscuridade desses santuários pintados: os artistas tiveram a ideia, genial, de sobrepôr várias imagens muito semelhantes para representar o movimento do animal. Assim, na gruta de Chauvet, existe um bisonte que está representado com oito patas, em vez de quatro: “Temos a impressão de que ele galopa na parede, sobretudo nas condições especiais dessa gruta, na penumbra e com a iluminação trémula das tochas. Em França, 53 figuras em doze grutas pintadas utilizam esse método gráfico, que implica sobretudo os movimentos das patas e as deslocações rápidas (trote, galope), mas por vezes também o movimento da cabeça, e algumas vezes da cauda.”
Porém, foi em Portugal, no vale do Côa, que a técnica foi utilizada na sua forma mais aperfeiçoada. O Vale do Côa é uma das mais importantes jazidas mundiais de arte rupestre, a maior colecção destas manifestações pré-históricas realizadas ao ar livre.
Foram ali encontrados cinco dezenas de núcleos de arte rupestre que se estendem ao longo de 17 quilómetros, junto à confluência do Côa com o Douro. No vale do Côa existem milhares de gravuras pré-históricas, a maior parte datando do Paleolítico superior (há mais de dez mil anos atrás anos). A arte do Côa foi classificada pela UNESCO, em 1998, por ser “uma ilustração excepcional do desenvolvimento repentino do génio criador, na alvorada do desenvolvimento cultural humano, demonstrando, de forma excepcional, a vida social, económica e espiritual do primeiro antepassado da humanidade”.
Entre as Gravuras do Côa, os investigadores identificaram a técnica de sobreposição e justaposição de imagens em muitas cenas gravadas na pedra. Aparece, por exemplo, na figura da cabra montês da rocha 3 da Quinta da Barca, cuja cabeça está orientada em duas direcções diferentes. “Mas há muitos outros exemplos representativos de animação na arte paleolítica conservada ao ar livre no vale do Côa (...) por exemplo, no sítio de Fariseu, esta técnica foi utilizada em várias das 94 figuras da rocha 1, como cavalos e touros selvagens.
Do estudo da sobreposição das várias camadas de imagens e a partir de datas obtidas a partir de diversos métodos, entre os quais o carbono-14, ficou demonstrado que essas gravuras datam pelo menos de há 18.400 anos. Isto significa que as representações do movimento no Vale do Côa são anteriores ao Madgalenense, período em que aparecem com mais frequência nas grutas e em suportes mobiliários na Europa, e datam provavelmente do Gravetense.”
Fonte: Super158, Junho 2011
Fonte: Super158, Junho 2011
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