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30 janeiro 2012

Barca do Douro, o Porto do Seixo e a Veiga de Santa Maria - Parte II

PARTE II

(ver parte anterior)

AS BARCAS DE PASSAGEM

Na Idade Média - e durante ainda vários séculos depois - os rios portugueses constituíam excelentes linhas de comunicação.

A navegação fluvial desempenhava papel económico relevante, não só pelo volume de mercadorias que transportava, o que diminuía os custos, mas também pela segurança e rapidez que oferecia aos carregamentos.

As barcas desempenhavam ainda um outro papel igualmente importante no sistema de transportes para além da navegação ao longo dos rios, até finais do século XIX, a travessia de pessoas e bens, uma vez que as pontes rareavam, mormente nos principais rios, cabendo os encargos e benefícios dessa travessia, dum modo geral, às autoridades locais que a arrendavam a um barqueiro.

(Rio Douro - Barco de passagem)

Desde a Idade Média até praticamente ao Século XX, que no Alto Douro se assinalam muitas dessas barcas de passagem apoiadas por outros tantos portos nesses locais. A denominação de porto aplica-se genericamente ao sítio onde a travessia normalmente era feita, sendo que alguns deles dispunham de um "cais", muito rudimentar, para facilitar o embarque; muito rudimentar porque a alteração constante do nível das águas ao longo do ano, mais não permitia.

Os portos/cais que alguns tiveram oportunidade de conhecer no Douro antes do seu desaparecimento devido à construção das barragens, de melhor construção e maior envergadura, estão já ligados a criação da Companhia dos Vinhos do Alto Douro, servindo para o transbordo das mercadorias dos carros de bois para os barcos.

Pensa-se que já no período medieval se distinguia entre barco e barca, sendo aquele de menores dimensões e com quilha, servindo para a faina da pesca e eventualmente para a travessia de algumas, poucas, pessoas.

Outros tipos de embarcações transpunham as águas alto-durienses, como a bateira que chegou praticamente até aos nossos dias - nos rios Sabor e Côa - e um tipo mais primitivo, a jangada de odres de cabra, apoiada em algumas tábuas.

O calado das barcas variava consoante o local de passagem e o movimento deste.

Através de documentos medievais galegos, sabe-se que a barca de Barbantes, no porto de Orense, tinha 6 metros de comprimento por quase 4 m de largura e carregava três carros de bois e muitas pessoas: possuíam estas barcas as mais das vezes fundo plano e tanto a proa como a popa eram achatadas.


A travessia estava sujeita ao pagamento de uma taxa, paga ao barqueiro, além de um imposto cobrado por particulares a quem a mesma tinha sido concedida como privilégio, quando era o caso; este e outros privilégios foram extintos pelo governo liberal em 1832.

O rendimento das barcas, mormente as localizadas em sítios de maior movimento, foi desde sempre disputado, principalmente entre os Municípios e a Coroa, pois esta muitas vezes utilizou as barcas, delas espoliando as autoridades locais, como forma de pagamento de favores a particulares.

Quanto aos preços pagos pelo serviço das barcas, através dos documentos galegos supra, sabemos que no século XV, uma pessoa pagava 2 dinheiros, uma besta sem carga 1 dinheiro e mais 1 branca por carga de vinho, peixe ou pão, 20 maravedis por um porco, 3 maravedis por uma fanega de cevada, 16 dinheiros por uma galinha e um dinheiro por um pão.

A administração das passagens por barcas era direito dos alcaides-mores dos Concelhos. A sua fiscalização, quando existia, era da obrigação dos almotacés, ou seja, os oficiais municipais encarregados da polícia do comércio interno dos Concelhos. Os barqueiros estavam sujeitos a uma vigilância algo apertada, pois através deles se facilitava o contrabando, tanto interno como externo, prevendo os regulamentos alfandegários as suas transgressões, chegando-se mesmo no Século XVIII a proibir-se a circulação fluvial em determinados dias. O ofício de barqueiro estava vedado a mouros, judeus e negros.

Para um cristão medieval, a edificação de pontes e/ou sua reparação e a instalação de barcas e/ou sua manutenção, eram tidas como obras pias, por essa razão, várias pontes e barcas que existiam nos caminhos percorridos por peregrinos, resultavam de legados, por vezes avultados, deixados em testamento, tanto por clérigos como por particulares.



O pagamento do serviço da barca de passagem, na época medieval, era designado por navagem ou navegagem, assumindo posteriormente as designações de frete ou tarifa.

Elevado era o número de barqueiros no nosso País, pois poucos eram os trajectos que não incluíam a travessia de um curso de água onde a barca fosse necessária. Em 1796, o Douro a montante da Régua, possuía 19 barcas para a sua travessia, 8 das quais se encontravam nos termos de Freixo de Numão/ViIa Nova de Foz Côa e seus vizinhos de Carrazeda de Ansiães, Vilarinho da Castanheira e Torre de Moncorvo.

Num inquérito realizado aos portos de fronteira em 1822, foram recenseadas cerca de três centenas de embarcações, sendo o seu número no final do Século XIX ainda superior a 100.

Como foi referido anteriormente, nem sempre as relações entre os Municípios de ambas as margens do rio Douro, nesta região onde nos encontramos, foram as mais pacíficas, pois já os vetustos Concelhos de Numão (1130) e de Santa Cruz da Vilariça (1225), a propósito da definição do proprietário da Veiga de Santa Maria (Monte Meão), levaram a que D. Afonso III, em 8 de Fevereiro de 1273, decidisse com as partes litigantes, que aquele território passaria a ser cultivado por ambos e divididos os frutos a meias, com a ressalva de que o porto e a barca, os seus direitos e pertenças, fossem propriedade da Vilariça (Carta 1273).

Com a criação dos Concelhos de Torre de Moncorvo em 12 de Abril de 1285 e de Vila Nova de Foz Côa em 21 de Maio de 1299, os problemas e disputas pela posse das duas margens por parte de TM, irão manter-se.

Os desaguisados pela posse da barca de passagem, mantidos ao longo de séculos, têm a sua génese nessa luta pelo território.



 Continua...                                                                                                                              

                   
Este texto é uma versão resumida do artigo "O Douro, Vila Nova de Foz Côa e Torre de Moncorvo – Duas margens de alguma conflituosidade na Idade Médiada autoria de CARLOS A. F. d’ABREU e JOSE IGNACIO de la TORRE RODRÍGUEZ publicado no nº 0 da revista CÔAVISÃO no ano de 1998.

Nota:
Em relação ao artigo publicado na CÔAVISÃO, foram adicionadas as imagens e feitas pequenas alterações ao texto para permitir a ligação entre as partes que se pretendeu publicar.
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