PARTE III
Barca de Passagem |
A mais antiga referência que deles conhecemos, data de 1273, quando D. Afonso III intervém e decide pela "meiadade" da veiga de Santa Maria (Monte Meão) mas, no que ao porto e barca respeita, assim como aos direitos e pertenças a eles inerentes, a sua propriedade seria de Santa Cruz, de que Moncorvo é herdeiro.
De D. Dinis, há referências de uma sua carta, para a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo em 1289, onde se fala da barca; sabe-se que, em 22 de Julho de 1302, o monarca analisara as razões apresentadas pelos procuradores de ambos os Concelhos “sobrelo porto do seixo que e antre essas uillas em no rio de doiro e sobrela barca e nauaagem desse rio”, argumentando o de VNFC terem direito a “meiadade' uma vez que a barca aportava no seu termo, ao que contrapunha o de TM, dizendo “que a barca que andava en no ryo de susodicto delo porto velho ata cerca do porto do seixo e ata direito do Peredo que era seu termho tambem o porto do ryo come a barca que en ele andava. E que essa barca aportaua da hua e da outra parte en no termho da dita uila da torre de Meem Corvo”, ao que o rei, depois de ouvidas estas e muitas outras razões das partes envolvidas “mandej sobresto fazer enqueriçom".
A sentença aponta “que dello porto velho ata dereito do Paredo e termho da Torre de Meem Corvo tambem da huma parte comme da outra do dito rio de Doiro e que era seu de direito o porto e a barca e a navaagem e que as ouverom senpre por suas”.
Ora, pelo exposto, se vê que TM considerava ambas as margens do Douro como parte integrante do seu termo, o que viu confirmado pelo rei.
O procurador de VNFC apelou da sentença mas os Ouvidores da Corte confirmaram-na, condenando o monarca “o dito concelho de uila noua de Fozcoa em sessenta libras de custas de toda esta demanda” e mandatando os juízes de TM para que procedessem à sua execução através da venda de bens móveis, ou até imóveis, de VNFC, com o aviso de que, se estes a não acatassem lhe seriam “peitados" 500 soldos.
Através do estudo da documentação medieval para este assunto, se infere que o porto do Douro nesta região, por esta altura, já havia sido transferido da foz do rio Sabor, rio que tem a sua confluência no Douro em frente à parte mais setentrional da península do Monte Meão, 3.750 m para montante, próximo do sítio onde foi construída nos inícios do presente século, a ponte ferroviária da Linha do Sabor; a designação de “porto velho”, indicia isso mesmo, aliás corroborada pelos topónimos Barca Velha e Rego da Barca, com sua localização nessa zona da Vilariça.
Foz do Sabor e Vale da Vilariça |
Por outro lado, julgamos esclarecer que, quando os documentos referem “porto do Douro” a partir de finais do seculo XIII / inícios do XIV, localizam-no sempre no Pocinho, topónimo que só surge por finais do século XVIII, sendo esse o denominado “Porto do Seixo“, uma vez que ainda nos inícios do século XIX, apesar das muitas tentativas e algumas realizações no sentido de melhorar as condições de navegabilidade do Douro, permaneciam nessa zona do Rio várias fragas, uma das quais se destacava pelo seu tamanho, como poderemos verificar através da leitura da “Tarifa dos Direitos de Passagem nas Barcas do Pocinho e Bouça, Rio Douro e Mais Barcas do Concelho”, isto é, a tabela de preços aprovada em sessão da Câmara de TM em 8 de Dezembro de 1894, revista e actualizada em 1 de Janeiro de 1906; fraga essa que servia para determinar os preços da passagem, pois se ficasse submersa, significava enchente, o que aumentava para o dobro a taxa cobrada pelo barqueiro. Por esta tabela de preços, se poderá igualmente concluir que o porto primitivo, se conheceu também pela designação de Barca Velha ou da Bouça; o porto do Peredo, esse localizava-se no termo da freguesia do Peredo dos Castelhanos, em frente à confluência do Côa com o Douro, vindo posteriormente no local a ser instalada uma barca de passagem, conhecida por Barca do Côa porque andava nos dois rios.
A alusão que acabamos de fazer quanto à localização do primitivo porto, é reforçada pela existência de uma estrada ao longo do vale da Vilariça, revelada por documentos emanados por D. Afonso V.
Os que viajavam do Sul do Douro, para terras a Norte da Vilariça, Bragança por exemplo (ou vice-versa), preferiam esse percurso, a terem que fazer o desvio pela vila de TM, evitando assim toda aquela acidentada ladeira, onde ainda em 1609, um viajante dizia que “Da barqua a Moncorvo há hua legoa de asperrimo, e trabalhoso caminho por sima de picos de montes mui estreitos, e perigosos”, o que pode explicar a antiguidade dessa via e a localização mais antiga do porto.
A pouca apetência dos viandantes em fazerem caminho pela Vila quando a sua jornada o não exigia, acontecia também com os que, atravessando o Douro (no porto do Seixo), pudessem utilizar o “Caminho do Peredo”, preferindo-o, apesar de igualmente defeso; e nesta apetência não está implícita a intenção de fuga à portagem, pois ela era paga, só que a um particular.
Naturalmente que o declínio da vila de Santa Cruz, provocado pela transferência da sede do Concelho para TM (1285), contribuiu necessariamente para a alteração da localização do porto fluvial.
TM manterá também uma contenda com o vizinho Concelho de Mós, relacionado com as barcas de passagem, ou melhor, a propósito da obrigação, ou não, deste Município fornecer gratuitamente, do seu pinhal, a madeira necessária para a construção/reparação das barcas do Douro e Sabor.
Com D. Fernando no poder, lamenta-se-lhe TM de se encontrar “menguada de gentes e companhas” e que corria o perigo de vir a ser tomada e de se despovoar, não só por razões da guerra mas de outros grandes encargos que tinha. Lembrava ser um importante ponto estratégico na Região, pois “tem hum porto no rio Douro e barcas en el, a huma Iegua da dita vila no seu termho e se a dita vila da Torre fosse perdida ou gaanhada dos inimigos, o que Deos non queira; embargarssia o dito porto por tal guisa que nestas fronteyras non poderyam por aquel porto aver passagem para myranda, nem para Samora nem para outras partes do meu senhorio, e que a my e aos meos sojeitos seria mui dapnoso”.
Devido às obras da fortaleza de Freixo de Espada à Cinta, João Rodrigues Porto Carreiro, meirinho-mor na Comarca e Correição de Trás-os-Montes, decide que todos os moradores do Concelho de TM deveriam pagar para a construção de um “apartamento da alcaçere” que o rei aí mandara construir, ao que “os Juízes do Concelho e homees boons da Torre de meen corvo" comunicaram de imediato a D. Fernando.
Mais uma vez voltam a sustentar a importância da sua localização para se eximirem da medida, dizendo que tinham “hum porto de passagem no ryo do doiro a huma leugua da dita vylla da Torre e a tres Ieuguas de castella que sempre foy guardado e deffeso pelo concelho da dita villa da Torre e porque he sseu. O qual porto he o melhor e mays chaão e seguro – outro nenhum que aia no dito ryo des a nossa cidade do porto ataa vylla de myranda que he em cabo de nosso reyno, e que o dito porto he tall que cada quer nossa mercee - poderemos aver por ello passagem pera a dita comarca de tras os montes assy em tempo de guerra como de paz para acorrymento e deffensom da dita comarca"; e continuam fazendo a apologia da vila e de seu porto, conseguindo mais uma vez convencer D. Fernando que, em 6 de Março de 1376, acha “por bem e mandamos que elles sseiam escusados de pagarem os ditos dinheiros e de servyrem por nenhuma outra guysa no dito lavor que nos mandamos ffazer no dito logo de ffreixo despada cynta”.
Há referências ainda a um arrendamento efectuado pela Câmara de TM em 1380, onde consta que a “navagem” do porto do Douro devia pertencer ao arrendatário..
Sobre a disputa das barcas, também D. João I tivera de intervir, pois em 1396, julga e decide “que as Barcas, e Navavegagens do Douro, desde o Porto Velho até defronte do Perêdo, pertenciam ao Concelho de Mem-Corvo; não obstante a Petição do Procurador da Sua Real Fazenda”.
O documento mais importante sobre as sucessivas demandas relativas à barca de passagem, encontramo-lo no reinado de D. Afonso V.
É um longo processo de querela, movido por VNFC que acusa TM de lhe haver tirado a barca de passagem que trazia no rio Douro.
O concelho acusado por sua vez, alega a posse da barca há mais de 200 anos (lembra os limites descritos no foral), considerando como seu termo todo o espaço de águas do rio e respectivos portos; que o Concelho autor da demanda se apossara da barca com a força e autoridade do aliado conde de Marialva.
VNFC defende-se, referindo os limites do seu território também segundo o seu foral, alegando ter direito a metade da veia de água; que possuía azenhas no rio; que pusera barca com barqueiro de sua mão, revertendo as rendas da dita barca para o Concelho; que entrara em concorrência na passagem com TM e que estes atacaram “a barca, deles autores. E a quebrarom E furarom y carregaram de pedra e meteram debaixo dagoa”.
Mapa da zona do Pocinho e Vale Meão - 1762 |
O monarca ouviu e sentenciou, da forma a que já nos habituamos: “que desde o porto velho atae direito do Peredo” TM “ouvesse as rendas e passagem todas”, impondo a VNFC “que tirassem logo fora do Rio a barca e portos della a barca que em elle traziam”.
Mas o século XV não acaba aqui e como tal, faremos ainda referência a um documento de D. Manuel, inserto nos capítulos apresentados nas Cortes de Lisboa, pelo procurador de TM.
Nele se queixa o Concelho de, ao contrário do que era uso, o oficial régio “contador das obras” recusava-se a comparticipar nas despesas efectuadas com a reparação das barcas do Concelho, “huua no rio Doyro. E outra no rio de Sauor”, de cujos rendimentos a Coroa levava a terça.
Estas despesas consistiam apenas na merenda que se comprava para dar aos trabalhadores, pois pela leitura da fonte se depreende que esse serviço era da obrigação dos moradores.
O procurador do Concelho, explicava que “hos moradores da dicta villa vaão cada e quando que cumpre aa dicta barca dar adubios pera as tirarem a monte e a carefetar e repairar de pregaje e caibros e travessas. E pera hos que este travalho de serventia fazem custumarom sempre darem aa custa da renda pam e vinho pera comerem os dictos travalhadares. E sempre hos officiaaes vossos levaram em conta a despeza que se fazia no dicto mantjmento”.
O rei a este capítulo responde que os consertos das referidas barcas se fizesse a dinheiro, que na terça real se não mexesse e que doravante essas reparações passassem a estar salvaguardadas no contrato de arrendamento.
CONCLUSÃO
Como vimos, TM sente desde a primeira hora apetência pelo controle das duas margens do rio Douro.
Essa hegemonia, por um lado, advém dos importantes proventos económicos que o porto do Douro propiciava e por outro, da importância da localização geográfica daquela Vila, como garante da soberania portuguesa em todo esse território localizado entre o Douro e Bragança e Miranda, uma vez que Riba Côa continuava sem definição. Mesmo depois do Tratado de Alcañices, todo esse território era susceptível de cair em qualquer momento em poder dos adversários, por essa razão, tornava-se importante que o porto de acesso à região a norte do Douro estivesse em boas mãos e os monarcas sabiam disso, tanto mais que TM levantara voz pelo Mestre.
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Este texto é uma versão resumida do artigo "O Douro, Vila Nova de Foz Côa e Torre de Moncorvo – Duas margens de alguma conflituosidade na Idade Média" da autoria de CARLOS A. F. d’ABREU e JOSE IGNACIO de la TORRE RODRÍGUEZ publicado no nº 0 da revista CÔAVISÃO no ano de 1998.
http://www.arte-coa.pt/Ficheiros/Bibliografia/1178/1178.pt.pdf
Nota:
Em relação ao artigo publicado na CÔAVISÃO, foram adicionadas as imagens e feitas pequenas alterações ao texto para permitir a ligação entre as partes que se pretendeu publicar.
Fontes das imagens:
Blogue Farrapos de Memória (http://lelodemoncorvo.blogspot.com/)
Repositório Temático da Universidade do Porto (http://repositorio-tematico.up.pt/)
Livro Cartografía Histórica Portuguesa - Catálogo de Manuscritos (Siglos XVII y XVIII) de Carmen Manso Porto
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Este texto é uma versão resumida do artigo "O Douro, Vila Nova de Foz Côa e Torre de Moncorvo – Duas margens de alguma conflituosidade na Idade Média" da autoria de CARLOS A. F. d’ABREU e JOSE IGNACIO de la TORRE RODRÍGUEZ publicado no nº 0 da revista CÔAVISÃO no ano de 1998.
http://www.arte-coa.pt/Ficheiros/Bibliografia/1178/1178.pt.pdf
Nota:
Em relação ao artigo publicado na CÔAVISÃO, foram adicionadas as imagens e feitas pequenas alterações ao texto para permitir a ligação entre as partes que se pretendeu publicar.
Fontes das imagens:
Blogue Farrapos de Memória (http://lelodemoncorvo.blogspot.com/)
Repositório Temático da Universidade do Porto (http://repositorio-tematico.up.pt/)
Livro Cartografía Histórica Portuguesa - Catálogo de Manuscritos (Siglos XVII y XVIII) de Carmen Manso Porto
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